As Mulheres e a Maternidade

Tanto a adesão ao processo que é a maternidade, quanto a negação, são tomadas por várias expectativas pela vida social, sendo assim, o objetivo deste ensaio é discutir a partir de alguns conceitos fundamentais de autores da antropologia que contemplam ou são análogos ao tema.

A maternidade envolve processos fisiológicos e sociais acerca da vida das mulheres, independente da época em que vivem ou das posições econômicas delas. Durante muito tempo, a maternidade foi encarada como um acontecimento absolutamente natural na vida das mulheres, pois, para a sociedade patriarcal, a função feminina de parir, prover os cuidados é intrínseca e instintiva, ideais ligados ao determinismo biológico.

Este ponto de vista é considerado ainda hoje no senso comum e por outros setores da sociedade, como por exemplo a Igreja. Porém a maternidade não se resume apenas a um processo natural da vida feminina, pelo contrário, esta condição implica em mudanças óbvias e significativas no meio social, não só da parturiente como da comunidade em geral.

A partir do conceito de Arnold van-Gennep, sobre o rito, que partir da ideia de que os ritos acompanham a mudança, sejam estas de estado, de posição social de idade ou lugar, o autor Victor Turner em “Liminaridade e Communitas”, demonstra o funcionamento dos ritos de passagem que consistem em três estágios fundamentais, denominados de: preliminar, limiar e pós liminar.
O estágio preliminar ou de separação, se refere ao comportamento do indivíduo de um posto anteriormente fixo na estrutura social. Durante o período limiar as características deste indivíduo se tornam ambíguas, não há traços ou quase não há atributos passados e nem do futuro. Por fim, a terceira fase consiste na reintegração do indivíduo, ou seja, quando a passagem é finalmente consumada.

Partindo desta análise, podemos olhar para a gravidez como um rito de passagem por que passa a mulher que após suas horas em trabalho de parto torna-se efetivamente mãe.

A gravidez constitui a fase preliminar, visto que durante esse período, há um desprendimento do que é ser apenas uma mulher, há uma morte simbólica para o nascimento de uma nova mulher que agora se tornará mãe.

No momento em que a mulher irá passar pelo parto é quando se dá o período limiar,
Victor Turner explica que este período de liminaridade o indivíduo tem o comportamento humilde e passivo, obedece os instrutores e são oprimidos, tal qual as mulheres durante o trabalho de parto, que geralmente estão nuas e fragilizadas, vulneráveis àqueles que estão encarregados de seus cuidados e seguem as instruções de outrem, que podem ser médicos, doulas, parteiras ou qualquer outro que à auxiliem no parto, e em situação de dor extrema até o estágio final de reintegração quando a criança finalmente vem ao mundo e vai para os braços de sua mãe, consumando o ritual de passagem.

Apesar de apenas a mãe passar por esse processo enquanto indivíduo, todo um contexto está em volta dela e se relaciona com o nascimento dessa vida como uma transformação significativa na família e na sociedade em geral.

Vimos a implicação inicial da maternidade, que é a fisiológica, mas “mãe” é um status social dentro dos sistemas de parentesco das sociedades, aqui moram as implicações sociais da maternidade, que envolve qual é o papel a ser desempenhado pelos indivíduos, neste caso, pela mulher.

Como demonstra Marilyn Strathern em “Necessidade de Pais, Necessidade de Mães”, para a sociedade ocidental é fundamental que haja uma mãe, mas não qualquer uma, a biológica propriamente dita, ainda que exista uma outra mulher que desempenhe esse papel. Isso porque para esta sociedade a maternidade está intimamente ligada à questão biológica, ou seja, ao ato de engravidar, gestar e parir. E não há nenhuma explicação que se faça necessária para o porquê disto. Porém, além de ser biológica, as mulheres devem desempenhar o papel de criar, de prover as necessidades principalmente emocionais dos filhos. Esta imagem de mãe provedora foi construída durante os séculos e ficou evidente a partir do século XVIII, onde cabiam às mães até serem professoras de seus filhos.
“No fim do século XVIII, surge um novo conceito de amor materno. Sem ignorar a existência desse sentimento em todos os tempos, há nessa época uma maior exaltação do amor materno como valor natural e social. A união destas duas palavras “amor” e “materno” não faz apenas a promoção e exaltação desse sentimento, mas também da mulher no seu papel de mãe.” (SOUZA, Emidio Thassia, HASHIMOTO Francisco – pág 29)¹

Diferente do que acontece com os homens, pois as suposições acerca da paternidade são outras, que por vezes devem ser provadas a partir do contato sexual do homem com a mulher, em outras épocas através do casamento e hoje por exames de DNA, porém que ainda que provadas os homens podem abandonar o papel social que implica a paternidade, negando também o envolvimento reprodutivo, sem muitas dores de cabeça.

Aos homens, apesar da cobrança de prova da paternidade, não é considerado um ato monstruoso abandonar o papel que lhe é atribuído enquanto progenitor juntamente com a mulher. Enquanto que uma mulher que abandona o papel de mãe, o recusa não engravidando ou até mesmo, querendo assumir sozinha este papel, como exemplifica Strathern em seu texto, as mulheres são colocadas como loucas, desordeiras ou desprovidas de compaixão.

Por estes e por outros motivos, principalmente pela expansão do mercado de trabalho, abertura nos espaços acadêmicos e com o avanço da discussão feminista sobre o que é “ser mulher” existem (e sempre existiram) mulheres que se recusam ao papel social que prevê a maternidade, portanto, negam a possibilidade de serem mães. Mas ser mãe não é algo natural ao corpo possuidor de um útero?

Existem teorias e crenças que classificam as mulheres como seres possuidores de uma dádiva, a de dar a luz à vida, aquelas que carregam dentro de seus corpos “o sagrado feminino.”
Partindo dessa perspectiva, mulheres que escolherem não exercer seu poder concedido pelo poder divino é considerada um ser indigno ou impuro.

Ainda é um tabu para a sociedade ocidental uma mulher que por livre e espontânea vontade opta não seguir o “curso natural” da vida feminina. Ela é vista como incompleta, amargurada, fadada à infelicidade, como quem quebra o curso natural do dom concedido por “Deus” que é o de se multiplicar.

É possível relacionar a leitura social dessas mulheres ao conceito de impureza da autora Mary Douglas em “Pureza e Perigo”, em que a autora aponta que a impureza é: “… um subproduto de uma organização e de uma classificação da matéria, na medida em que ordenar pressupõe repelir os elementos não apropriados.” (DOUGLAS, Mary – pág 30) Ou seja, não assumir essa posição social de mãe desordena o sistema existente, não apenas desajusta, também faz modificações em toda a vida social anteriormente ordenada, fazendo com que isto seja impuro.

Ainda hoje, a maternidade está associada à mulheridade. Isso faz parte de uma construção ideal da imagem feminina, que em dado momento esteve relacionada ao cuidado, a subjugação, ao que é do âmbito doméstico. Com o passar dos séculos e com as mudanças de paradigmas se questiona se a maternidade está realmente ligada a completude do ser feminino e não apenas isto, mas também há o debate de como essa nova concepção de mulher se relaciona com a maternidade e como a segunda se encaixa nessa nova configuração do papel social feminino.

Desde o começo do século XX, com a disseminação de ideias feministas, a maternidade entra como pauta de questionamento, pois existe a procura pela definição do que é ser uma mulher, que basicamente estava ligado à ter um útero e a discussão sobre mulher como um sujeito toma força. Desta maneira, a luta pela livre escolha da maternidade, independente de ter útero, ou seja, de ser uma mulher é apresentada.

A maternidade é um tema central no que diz respeito às mulheres, seja em relação à sua biologia, seja ao seu existir enquanto sujeito e em todos os âmbitos da vida social, independente de já serem ou não, de desejarem ou não tornar-se mãe.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
¹ Poder Feminino e Poder Materno: Reflexões sobre a construção da identidade feminina e da maternidade. – Thassia Souza Emidio e Francisco Hashimoto.
Disponível em:<http://revistas.unoeste.br/revistas/ojs/index.php/ch/article/viewFile/289/586>
A maternidade e o feminismo: diálogo com as ciências sociais – SCAVOLI, Lucila
Disponível em:
<http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-83332001000100008>
Douglas, Mary. “Pureza e Perigo: Ensaios sobre as noções de poluição e tabu.” São Paulo, Perspectiva, 1976.
Turner, Victor. “Liminaridade e Communitas”, O Processo Ritual. Estrutura e Anti-Estrutura, Petrópolis, Vozes, 1974.
Strathern, Marilyn. “Necessidades de pais, necessidades de mães.” Estudos feministas, 303, 1995.

Por: Carolina Salustiano, 23, é estudante de Ciências Sociais, mãe do Oliver.  Aprendiz de pesquisadora, uma leonina curiosa. csalus95@gmail.com